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[FRANCA MENTE] PERTO DA MEIA NOITE

Por Francine S. C. Camargo •
domingo, 29 de dezembro de 2019


Em algum dia, precisarei mudar. Escolhi, então, uma oportunidade: a virada da folhinha, a aparição do novo ano, à chegada da meia noite. É a data de respirar diferente, modificar-se, para que todos reparem que não sou mais quem eu costumava ser.

Nessa hora, calçarei sapatos novos, fechados, polidos, refeitos. E deixarei os cabelos crescerem livres, desregrados, sem juramentos.

Escreverei uma carta para ninguém. Melhor, escreverei várias cartas cegas, o destinatário não me interessa, por ora, terão elas seu destino instaurado quando lhes convier.

Vou abandonar o celular, pois não espero ser chamado, sequer imagino olhar atrás, para o ido.

Basta que inicie o primeiro dia e pretendo correr, com as pernas mesmo, pelo caminho do lago e, de preferência, a favor do tempo, pois este há muito não tem me feito companhia.

Na batida do relógio, não haverá mais lágrimas de saudade, pois decidirei que melhor é procurar, perseguir, encarar: virar a esquina, rondar pela cidade, se necessário, atravessar o mundo, para que lágrima alguma role em meu rosto devido ao que está perdido.

O sorriso em meu rosto será pequeno em comparação ao que enxergarem em minha alma, é o que planejo no novo porvir.

Não serei modesto, nem vou autorizar que a timidez trave meus passos. Serei impetuoso com demasiada autoridade, quer me obedeçam, quer não. Seguirei soando clarins em alguma busca concreta, solitária, em meu próprio desfile.

Não pretendo atirar nada pelas janelas, nem vasos e nem panelas, já há tantas rachaduras em mim, que diferença nenhuma eles farão. O que almejo é atirar-me a mim pela porta e deixá-la encostada, num convite eterno a quem queira entrar, sedução perfeita para fugir.

Arrependimentos não levarei. Virará o ano e esses quedarão a queimar na lareira. Se em extensos erros me arrojei, disso não quero me lembrar, não irei carregá-los.

Esperarei só mais um pouco, ainda não ouço fogos, explosão, abraços nem artifícios. Ainda a rua anda vazia e ninguém se adiantou a comemorar. Mas é para logo. Mal o número oscile, mal a aurora regresse, assim que a batida se expandir. Não me incomodo em esperar. Pouco falta, só mais um pouco.

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