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[FRANCA MENTE] ISOLAMENTO

Por Francine S. C. Camargo •
quinta-feira, 27 de agosto de 2020

 


Idos de março: fiquem em casa!


Mas o mundo não pára, não pode parar; o que parou foi tudo ao redor, não a gente (ou será que foi o automóvel?). Vamos esperar, proteger nossos idosos, nossas crianças, isolar nossas angústias e medos para que ninguém os veja, só os ouça em redes sociais e conversas intermináveis no whatsapp.


Pára a escola, pára o trabalho, vida dá uma paradinha discreta, já que não adianta seguir a esmo. Mas o que fazer para ocupar a mente?


Home learning, home schooling, home food, home exercises, home office, home everything, menos home air, que esgotou, faltou um pouquinho de oxigênio nesse ar daqui de dentro. Sai no quintal, no alpendre, na sacada, na janela, tranca no banheiro, que ali há de encontrar um pouco de ar, respira, respira, respira, conta até cinco, dez, trezentos e cinquenta e dois e já chegamos no novecentos e nada foi resolvido!


Acorda, conecta o computador, ouve as aulas dos filhos, ensina, chama a atenção porque estão todos dispersos, volta pra aula, menino! Já tá na hora do lanche? Como assim, acabou de tomar café e ainda nem limpei a cozinha, cama ainda por arrumar! Assistindo às aulas de pijama?! Não tem uma fruta nessa fruteira, acabaram as verduras, o sabão em pó, o gás, o que fazer de janta, meu deus, já está na hora do jantar e ainda nem comecei a pensar no que comer! iFood. Mas pedir comida interfere no isolamento?


Senta em frente ao desktop, laptop, qualquer dipositivo que as crianças não estejam usando para fazer as aulas online e tenta trabalhar, fazer uma reunião, videochamada, corta a conexão, internet é rara, todo mundo compartilhando da mesma rede, haja megabyte, largura de banda. Isso se as maritacas não comeram o fio da internet por fibra! E reunião atrás de reunião. Do outro lado da tela, não sabem que é preciso parar para cozinhar, lavar louça, roupa, limpar o banheiro, colocar o lixo para fora,  ensinar a conta de matemática, ensinar a postar a tarefa, ensinar a não rasgar a folha de papel sulfite com tanto rascunho pela casa, dar de comer, dar de comer, dar de comer o tempo todo e tudo isso em 24 horas?


Alguém precisa ir ao mercado, a comida está acabando e ninguém aqui é o maluco dos estoques. Tem a farmácia também, para comprar álcool gel, dipirona 1 grama (haja enxaqueca!), antialérgico, antiácido, anti estresse. Anticorpos tem? - pergunto no balcão.


Começa a assistir a uma série, mas não sai do primeiro episódio, pois há tempo demais e ele voa. Aproveita para separar uns livros para ler nas horas vagas, o primeiro está na página 5 (prefácio), os demais, empilhados na escrivaninha, aguardando pela próxima horda de pó a ocupar suas capas, lombadas e periferias, enquanto as palavras de suas medulas continuam caladas.


Fica em casa simplesmente. Deita e dorme. Libido não há, nem sabe mais do que se trata. Chora sem motivo ou haveria motivos aos montes ainda não reconhecidos?


Medo, medo, dúvida. Espirra. Tosse. Será? Acorda com diarréia. Será? Infecção ou a comida oriental que demorou para chegar na noite passada? Toma mais um café, o décimo do dia, pelo costume, pela ansiedade, pelo cheiro que infesta a cozinha...mas e agora que não sente mais os aromas? Melhor perguntar para o Dr. Google...


Mais solidão do que nunca. Mais opinião do que nunca, é o cenário atual. Pode postar o que sente, pode comentar o que acha? Mas se não falar nada, a falta de posicionamento será a sua condenação. Boca fechada ainda é sinônimo de não entrar mosquito e decerto nem cospe vírus.


Enquanto a gente vive esses dias da Marmota, uns tantos estão tentando encontrar sentido, rima, emoção nas horas que passam. Mas muitos estão tristes, outros estão doentes, outros sozinhos, uns trabalhando o dobro do normal, outros só buscando sobreviver bem mais do que nos dias usuais, e muitos tantos estão morrendo, enquanto a gente se surpreende ao espelho analisando rugas, olheiras e fios de cabelo mudando de cor. A vida de muitos pode ser mais cinza do que as raízes de nossas madeixas.


Mas sempre é possível mudar.


Ainda com a loucura dos dias, dá para ouvir, chorar junto, ajudar, motivar, acolher, doar, segurar a mão de alguém, mesmo que seja virtualmente. Não houve ainda nenhuma comprovação científica de que compaixão e empatia aumentem o risco de contaminação, e vamos aos fatos: todo cuidado e higiene é importante, não só nos tempos atuais, disso todos sabem. Que tal um pouquinho de álcool gel e lavagem na alma, para minimizar as dores desse isolamento social?

 


 

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