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ELE NÃO SABE MAIS NADA SOBRE VOCÊ

Por Leandro Salgentelli •
domingo, 26 de janeiro de 2020

ELE NÃO SABE MAIS nada sobre você. Não sabe que aquela dor que ele causou diminuiria gradativamente dia após dia, e que, curiosamente, o tempo havia se tornado um aliado. Ele não sabe que você trocou a playlist e que Marisa Monte passou a fazer parte de sua vida nas madrugadas de sexta para sábado. Ele não sabe que o cálice de vinho havia se tornado uma companhia exuberante — e não para realimentar a lembrança, mas, sim, porque havia descoberto a feminilidade. Ele não sabe que as madrugadas cada vez mais se tornavam curtas e a deixava desnudada. Convicta. Inteira.

 Ele não sabe que você deixou de ter medo do escuro, que mudou a cor do cabelo, que adotou um cachorro de rua. Ele não sabe que você retomou a leitura e que tem sido sua melhor companhia. Ele não sabe que o choro havia cessado quatro semanas após o término e que as janelas passaram a ficar abertas por longos períodos.

 Ele não sabe que o sorriso foi ganhando forma e que ousou-se reconciliar com a tua autoestima. Ele não sabe que você trocou os móveis de lugar, que passou a fazer caminhada e que dia desses até almoçou sozinha num restaurante que nunca imaginou um dia.

 Ele não sabe que a arrogância que havia se instalado dentro do seu ser se transformou em generosidade. Ele não sabe que o orgulho havia se desvinculado a cada toque no chuveiro. E que banho passou a ser seu mantra.

 Ele não sabe. Ele não sabe que a ausência fosse trazer de volta para si mesma. Que a embriagues e as noitadas haviam ficado do lado de fora daquela mulher que um dia fora. Ele não sabe que a vida social intensa acabou despertando uma vontade imensa do recolhimento.

 Ele não sabe que a saudade havia se transformado numa aceitação de quem você é hoje. Ele não sabe que o sentimento havia sumido, que a mágoa e a raiva acabaram por si só evaporando sem deixar rastros, sem deixar marcas em cada canto do seu ser. Ele não sabe que você não sente mais falta dos abraços noturnos, das ligações diárias diurnas. Não sabe que você se reconciliou com seu pai e aprendeu o verdadeiro significado de amar.

 Ele não sabe. Ele não sabe que você mudou de batom, que não precisou mais de rímel a prova d’água, que diminuiu os gastos do cartão de crédito com coisas fúteis, que planejou uma viagem só de ida e que deixou o destino interferir no que aconteceria no percurso.

 Eu já posso te ver andando por aí, ganhando holofotes e sendo observada, na integridade ininterrupta do próprio amor.


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