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AMO-TE

Por Leandro Salgentelli •
sábado, 22 de junho de 2019


Estávamos assistindo a um filme (eu e mais duas amigas) quando ela pegou o celular na mão para ver a hora no que observou a notificação de um e-mail. Ela estava deitada a meu lado, e mesmo que desse para ler tudinho que estava escrito naquele e-mail, não invade sua privacidade. Em seguida parou o filme e leu a carta que seu namorado mandara — por e-mail não soa nada romântico, convenhamos, mas viva a tecnologia.
Ele, fora do país, mandou um recado dizendo que estava com saudade dos abraços, dos cafunes e de outras coisas que não me atreverei descrever aqui. Ao final do e-mail assinou com seu nome e colocou: amo-te.
Eu e minha outra amiga olhamos um para o outro e dissemos: amo-te?? E rimos. Rimos tanto que acabamos com o barato da afortunada, que, claro, nos acusou de estar com inveja.
Brincadeiras à parte, soa ou não soa estranho alguém dizer “amo-te”? Seja bem sincera. Consegue ouvir minha gargalhada de onde você está? Kkkkkkkkk.
De repente você descobre o amor da sua vida, descobre que não vê a hora de passar o resto de sua vida com ele, que não consegue olhar para os lados, que sente falta até mesmo quando ele está há 1km de distância. Há quem sofra de permanência — o que dificulta considerar a possibilidade de que não há amor, há apenas um acômodo. E sabem-se lá quantos acômodos somos capazes. Ora, ora, de que jeito viver uma linda história de amor sem ser permanente, você deve estar se perguntando. Talvez eu esteja sendo presunçoso, mas devo alertar: amor nenhum se sustenta através do abafamento. Amor precisa sentir-se livre para tomar as próprias atitudes, para que seja condescendente com suas próprias vontades, sem aprisionamento. Quem tenta sutilmente prender os defeitos, prende a essência. É saber lidar com o que desagrada no outro onde está à magia da coisa.
E dizer “amo-te” também não soa mágico. Não é usual, e por não ser usual, torna-se inapropriado. Amo-te é formal demais. E nós sabemos bem que amor não estabelece eloquência tampouco associa a norma culta da língua portuguesa. Amor mesmo é dito sem tanto resguardo, sem tanta escolha dos pronomes oblíquos. Ele é dito nas primeiras frases de uma carta, não no final. Dizer “amo-te” ao final de uma carta é como se estivesse dando um beijinho de costume, um agrado, como de costume.
“Amo-te” é concreto, não tem a mesma intensidade do que um “eu amo você” ou “eu te amo”. Dizer “amo-te” é como se estivesse se preocupando com quem está olhando ao redor, como se compostura e a reputação estivessem em jogo. Amor mesmo, amor de verdade, não estabelece concordância. Ele é dito tão suavemente que chega a dar um frio na barriga — fora o arrepio.
Aquele “eu te amo” dito sem medir esforços. 

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