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[CRÔNICA] EU TE AMO

Por Francine S. C. Camargo •
domingo, 28 de abril de 2019

Conteve as palavras em dezenas de ocasiões. Frasezinha de ouro, difícil de sair. Requebrava dentro de si, fazendo troça de seu engasgo, subia, subia até ali, perto da boca, cavava espaços, tentava jogar-se para fora, mas na hora certa, hora mágica, não havia como, simplesmente, não a deixava desvencilhar-se de si.

Até que era natural cantá-la nas canções, ler nos livros, ouvir nos filmes, repetir em bom som ao espelho, mas quando apoderava-se dela, quando o “eu te amo” tornava-se responsabilidade sua, ah, daí não havia como proferi-lo.

E durante um bom período de tempo leu e escutou, direcionado a ela. Calava-se, desconversava, sorria tímida, nem conseguia mais olhar no fundo dos olhos. Que era isso que sentia? Esse incêndio dentro dela, as horas distraídas, as lágrimas silentes nos momentos inusitados, ar restrito, peito apertado, coração fugido tamanha a pressa. Mas, imediatamente, retomava a consciência e a terceira pessoa que participava de seus relacionamentos – ela mesma, vendo-se de fora e rindo da cafonice da situação – tornava frustra qualquer tentativa de soltar o verbo. E o tal do “eu te amo” não nascia.

E essa matéria de assumir o amor é complicada, com ou sem Super Ego na jogada, tinha que entender o seu significado, pesar todas as possibilidades, diagnósticos diferenciais, o que sentia poderia ser só uma dor de barriga, uma crise de ansiedade, um medo bem grande de sei lá o quê ou até mesmo um infarto agudo. E dizer “eu te amo” para alguém, comprometer-se tão intimamente, não seria uma forma de doar-se e, consequentemente, perder-se de si mesma?

Porque achava que nem sempre amor precisa ser coisa explosiva, de atropelar tudo e todos, de amarrar as ações. Aceitava que tivesse seu grau de excelência em descoordenar um pouco as posturas e até desgovernar as palavras. Mas sua sanidade intelectual precisava ser preservada, então esperou.

A espera amadurece, faz crescer, não é novidade. E o amadurecimento desbanca crenças e conceitos, cria outros mais sólidos ou, como nesse caso, derrete aquela infalível confiança de julgar ter o mundo sob seu controle.

Daí que na batida do relógio em que teve absoluta certeza do que sentia, ele não estava mais na expectativa de ouvir a frase. E se foi antes que ela ousasse emitir sua curta sentença. Mas, para evitar que os lamentos pela malfadada história de amor repercutam por aqui, esclareço: estamos falando de anos nessa delonga, logo, não há crueldade, nem imoralidade nenhuma na atitude do outro. O atraso cansa e tanto a alma quanto o corpo precisam de abrigo.

As três palavras detiveram-se nas letras de músicas. Chico, Vinícius, Ivan, Djavan, Tom...muitos dedicaram formas diferentes de se declarar para ela na sua imaginação. O romance ficou na ponta da caneta, no olhar distante. E o tempo curou a ausência das palavras, como ensinamento, trouxe a proposta de deixar o “eu te amo” sair, quando houvesse satisfação em dizê-lo, quando houvesse deleite em senti-lo. Assim sendo, as palavras fluem, sem obrigação, sem demanda, sempre que ela deseja, sendo pronunciado pelas entranhas, e nunca mais sendo deixado para amanhã.

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