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[CRÔNICA] DOS FORAS DA VIDA

Por Francine S. C. Camargo •
domingo, 16 de dezembro de 2018



É sempre muito ruim tomar um fora. Uma rejeiçãozinha em meio a brincadeiras, um ‘não’ claro e em alto som, a verbalização da ruína de um relacionamento, ou um despojado pé no traseiro, tudo isso traz um stop transitório para o mundo que lhe cerca e a pergunta que surge é...oi?

Não venha me dizer que não dói embolsar uma recusa, ali no improviso, quando o coração desenhou previamente os mais belos corações flutuantes, o beijo mais entusiástico do qual já se teve notícia. Pode vir ornado com os vocábulos mais singelos, com laivos de afeto até, ensaio falho de um outro ser, que não tem muito a dizer e tenta lhe acomodar os ouvidos com palavras vãs.

E então ele chega perto, chama para uma conferência, olha no fundo de seus olhos, pupila quase tocando a sua em um magnetismo ímpar e, logo, surge a temida frase “eu amo você, mas como amiga”. Crateras se abrem ao seu redor, onde se esparrama a dúvida...hein? Isso está mesmo acontecendo?

Claro que há variações bem piores da frase anterior. “O problema não é você, sou eu”, “É que não posso agora, estou saindo com alguém” ou “gosto de outra pessoa” e ainda o repugnante “acabei de sair de um relacionamento e não quero me envolver com ninguém”, acompanhado de um desconforto desestruturado, um desejo avassalador do interlocutor sair correndo, tentando lidar com a informação e dizendo apenas “nossa, não sei o que dizer”. Não diga, por favor, não diga nada, está vendo aquela cratera ali? Vou entrar ali só um pouquinho e fechar a tampa para sempre!

E a “coisa” pode piorar. Pode-se romper com alguém sem as pupilas se colarem, e sim, por meios virtuais: um telefonema, um sms, mensagem de whatsapp (e para ser um pouco mais educado, uma mensagem de voz no whatsapp, sem direito a debate, para resolver a questão sem muita contestação), um e mail e até por carta, se o imediatismo não for prioridade. Sim, a tal da “coisa” pode piorar ainda mais, pois quando muito, você pode ser avisada da cessação do seu relacionamento por meio de uma acessível atualização de status no Facebook.

Mas pode ser sem flagelo também, com uma irônica pitada de comemoração, sem antecipar o ódio que despontará nos dias subsequentes: uma pizzada no restaurante favorito, chegar à conclusão de que não dá mais, meia pepperoni aqui, um copo de coca zero ali e sim, ‘foi bom, foi muito bom”, “jamais me esquecerei” e alguns abraços e um beijinho de despedida. Fim. Nunca mais se olharão na cara.

E a mente pode simular finalizações frequentes de relacionamentos, que, muitas vezes, nem iniciaram. Pode-se colocar um ponto final, com muito drama e certo estilo, quando o outro, o amado nem se deu conta de que tenha estado um dia comprometido com você.

Nem sempre, obviamente, os glúteos ficam lesados. Acreditem, existem mortes de relações que se tornam consenso, mas que nem por isso, deixam de ser feridas fartas, abertas por muito tempo. Principalmente quando terminam com o tal do persistente “I love you and I love you too”, só para traduzir-se no mais difícil dos finais. E os lábios somente dizem não, e não olham mais para trás.

Contudo, há algo insuperável, que cicatriza prontamente qualquer insulto, que cala as lágrimas, mesmo que há muito tempo elas já não sejam mais despejadas. E isso acontece em uma linda tarde ensolarada, céu estúpido de tão azul, o look casual do dia mostrando que você é você mesma, mas pode muito bem salientar umas curvas aqui e acolá, o cabelo pode ser jogado um pouquinho de lado e o make pode estar um tanto mais caprichado. E, então, meio sem querer, você se depara com ele, aquele mesmo que disse que te amava como amiga apenas ou que tinha um problema sério de relacionamentos e não poderia superar isso com você. Ou aquele mesmo ex, que se limitou a partir, sem adeus. E ele nem precisa dizer nada, você percebe ao longe um arrependimentozinho implacável e a boca que não se fecha completamente.

E o que se pode fazer é delinear um “oi”, eliminar um pouquinho do seu perfume no ar e seguir em frente, pois não há mais crateras, não há poço para se afundar e tudo que existe está adiante, em um caminhar tranquilo, com um tanto de majestade no salto alto.

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