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O mundo secreto em público

Por Leandro Salgentelli •
domingo, 1 de novembro de 2020

 


Ela tocava o braço dele toda vez que observa alguém chegando. Era como se fosse um código entre eles “amor, olha quem chegou”, e com o olhar mais afetuoso do mundo, naquele silêncio multo, ambos se compreendiam. Ela ia conversar com amigos que tempos não havia e ele a observava do outro lado da sala. Tinha momentos que brindavam à distância, sutilmente. Seus olhares se encontravam. Mas não era nada exatamente sexual ou possessivo. Era um amor dito sem vocabulário.
Houve um momento em que eles se aproximaram, eu estava encostado num canto pouco notório, então ela arrumou a máscara dele e disse: “vida, você colocou do lado ao contrário”, e ele riu. E eu ri também. Porque havia uma cumplicidade ali que não era comum.
Perguntaram se eu queria mais bebida, eu disse que não, já era minha terceira taça de vinho, era melhor não abusar da docilidade. Ela se aproximou mais um pouco e disse que soube por um acaso que tinha publicado um livro e perguntou sobre o que eu escrevia. Foi à brecha que encontrei para dizer sobre o que tinha de tão especial neles.
Era uma festa com pequenos agregados ocasionais e fui rendido pela insistência de alguns amigos. E que bom que me rendi. Sai de lá embriagado com tanta esperança. No caminho de casa me lembrei de quando presenciava alguma briga de casal em um tom fora do normal, seja na rua, em família, em qualquer lugar; lembro-me de passar a mão pelo cabelo e rir dizendo internamente “ah, é por isso que vou morrer sozinho”, e saia andando me sentido a pessoa mais privilegiada do mundo, o esnobe dos esnobes.
No entanto, presenciar aquele momento secreto em público daquele casal, me fez repensar aquela pequena frase cheia de deboche. Porque, passar pela vida sozinho, sem vivenciar as paixões e os amores que certamente a vida nos traz, não é algo para se ter orgulho. A privação, como o próximo substantivo diz, só nos distancia do que pode ser extraordinário. Relacionamentos são complicados, mas pode ser também a arte de fazer acordos. Para isso basta que ambos estejam dispostos.
E aquele casal certamente esteve algum dia dispostos para chegar a essa maturidade afetiva e emocional. Para se render à cumplicidade do gesto, para celebrar, cada um de um lado da sala, esse sentimento puro, mágico e secreto.
Não sei quanto tempo estão juntos. Não soube o que fizeram para chegar nessa divindade amorosa despercebida —, ou percebida, mas por poucos. Não sei se ficarão juntos pela eternidade, um cuidando do outro. Não sei se eles se preocupam em ser modernos ou eternos. O que sei é que a cumplicidade que consegue capturar naqueles pequenos instantes não tem a ver com dinheiro, com beleza, com status social, com nada daquilo que é palpável.
E o que eu soube, também, naquele momento, é o que almejo em um relacionamento, o que certamente justifica por ainda estar solteiro.


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