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[CRÔNICA] DEPRESSÃO, TERAPIA E ALGUNS LENÇOS

Por Francine S. C. Camargo •
segunda-feira, 28 de janeiro de 2019


Tristeza assim, meio sem causa, sem meio, sem fim. Ausência de aspirações. Satisfação zero. Sono, sono, sono ou um querer ficar ali deitada, sem uso. Um não querer ir. Sair de casa? O mínimo necessário para as notas não despencarem. Apetite? Não. Estudo? Várias tentativas, mas a cabeça vai para além e não volta mais.

– Olha, acho que não tem muito como fugir disso, você precisa ser medicada, precisa fazer terapia.

Já chegava na terceira consulta e ela, até então, sempre dava um jeitinho de se ocultar, adiar, pedia um tempo, explicava que ainda não e até tentava provar a teoria de que talvez não fosse o caso, que estaria superestimando os sintomas. O que estaria por acontecer? Que rótulo apareceria estampado bem no meio da testa?

Dessa vez, topou. Pegou a receita, marcou a consulta e caminhou pelos corredores, como se o caos dentro de si estivesse gritando tão alto que em todas as salas de aula pudessem tomar ciência do seu novo desafio.

...

Ambas se encaravam, cartela e menina. Mulher e pílula. Sem felicidade, sem certeza, fingindo que se queriam. Derramou algumas lágrimas ao contemplar seu insucesso, aquilo que chamava de derrota, mas engoliu. Estranhou, pois não sentiu nada. Sentiu nada, sentiu-se meio nada, vazia. Mas já não era de hoje. Então, adormeceu.

Acordou meio sem saber se era ela ou se outra, mas seguiu sua rotina até a faculdade, procurando não olhar muito no olho, talvez nem a vissem. Mas suas mãos tremiam, o corpo inteiro estremecia e o coração acelerado quase podia ser ouvido sem estetoscópio. E uma ânsia assídua devorava seu estômago, em fogo vivo.

Houve quem segurasse sua mão, quem levantasse seu rosto para mirar sua íris, mas ela se escondeu o quanto pode. Seguiu a semana assim, com a percepção de ser menos, de saber-se sem ação, sem volição.

...

Em seu primeiro encontro com a psicóloga, a primeira deles, não houve muita expectativa. Esperou o dia, viu as horas se aproximarem e abriu a porta, diante do corredor mistificado. Não elaborou respostas acessíveis, não se armou de falsas explicações, sequer sabia como se mostraria, já que seu perfil andava um tanto deformado. Sentou-se e confiou.

Esperou. Esperou. Esperou um pouco mais. Mas nada foi dito. Sua interlocutora simplesmente ficou ali a encará-la, rosto impassível, ilegível, mas premeditado.E ela retribuiu o olhar, sem estranheza.

Os minutos se passaram. Talvez a consulta inteira pudesse ter se passado em silêncio. Mas aí pareceria ofensivo, tempo de uma e outra perdidos. Era preciso falar. Mas o quê?

Não houve tempo. As lágrimas começaram a cair, sem barreira, feito enchente a levar tudo consigo: reserva, timidez, pudores. Deixaram para trás um discreto embaraço que, naquele momento, já nem sentido possuía.

...



Ofereceu a ela a caixa de lenços. Mas a solidão não seria compartilhada, essa era sua opção.

Mas lembranças são infalíveis e, hora ou outra, retornam: do corpo sendo consumido, a boca queimando, o teto parado, as pessoas passando e nada acontecendo, nem dentro e nem fora. Nem a música ecoava, nem o livro se abria, e o telefone tocava solitário.

Levou um ano para retornar. E para aceitar o tratamento, após ter jogado fora todas as pílulas. Dessa vez, o profissional escolhido virou necessário, eternizando os encontros e trazendo ferramentas para que ela pudesse, de vez em quando, até rir de si mesma. Nesse meio tempo, experimentou expor-se, escreveu, amou e doou-se. Sempre em termos, sempre ao meio, um olho aberto, uma perna atrás.

A história continua, mas terminemos por aqui. Porque alguns anos depois, a auto-destruição diária, que já se tornara bem enfadonha, deu seu lugar a uma reinvenção de si mesma, em todos os dias, sob qualquer ângulo.

E o que era uma frase surda virou lema, incontestável: não tem como fugir disso. Quem fecha os olhos, consegue acobertar incêndios por algum tempo. Mas alguns lenços jamais enxugarão grandes inundações.





Comentários via Facebook

16 comentários:

  1. Oiee ^^
    Não sei bem o que dizer, a crônica conseguiu mexer muito comigo. Tenho colegas que sofrem de depressão, mas ninguém tão próximo; o mais próximo que chego de saber sobre é com os livros que leio mesmo, mas não é a mesma coisa que ter ou conviver com alguém que ter. Gostei muito do texto, bem cru, bem real.
    MilkMilks ♥

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    1. Francine S. C. Camargo3 de fevereiro de 2019 12:26

      Obrigada, Dryh! Mexe porque estamos todos sujeitos a essa doença e isso é assustador. Um beijão.

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  • Olá!
    Parabéns pelo texto. Depressão é uma das doenças que mais mata nos dias de hoje e muitos acham que é frescura. Conheço pessoas com depressão e não é fácil, muitos as vezes não aceitam ajuda e alguns perdem boa parte da vida nessa luta.
    Sua crônica me deixou pensativa e com um misto de sensações. Que muitas pessoas possam ter a oportunidade de lê-lo.
    Beijos!

    Camila de Moraes

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    1. Francine S. C. Camargo28 de fevereiro de 2019 10:45

      Camila, obrigada! Que a gente possa ter empatia com quem vive os dias em vales de dor e que a gente também se perceba a ponto de pedir ajuda quando for necessário. Beijos grandes.

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  • Oi Fran!
    Ler um conto desse mexe emocionalmente comigo pois já passei por isso, é horrível eu me sentia incapacitada de fazer qualquer coisa, um verdadeiro estorvo para os outros, mas graças a Deus com tratamento e remédios melhorei, mas os sintomas vem devagarinho, nunca se demonstra a hora que vê já tomou conta de sua cabeça, por isso temos que pedir ajuda, precisamos nos expressar nossos sentimentos a família e amigos só com isso melhorei. Parabéns pelo post, o texto foi tocante, bjs!

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    1. Francine S. C. Camargo28 de fevereiro de 2019 10:47

      É nessa tecla que eu bato, Cris, é tão importante conseguir pedir ajuda, assumir a nossa fraqueza, reconhecer que não é preciso viver dessa forma; mas também, é importante que a gente olhe ao redor, olhe para as pessoas e tente entender suas dores e comportamentos. Beijão.

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  • Oi!
    Adorei sua crônica. Ela é realmente tocante e emocionante, deu até um negocinho aqui dentro de mim.
    Já passei por um problema assim e é realmente doloroso, o que mais sufoca é essa autodestruição diária que muitas vezes não sabemos como parar. Acredito que com ajuda tudo fica bem depois de um tempo.
    Gostei muito das reflexões que esse texto me trouxe.
    Abraços.

    FLeituras

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    1. Francine S. C. Camargo28 de fevereiro de 2019 10:49

      Fabiana, que bom despertar algo em você, acho que esse "negocinho" dentro da gente precisa ser constantemente mexido, provocado...abraço grande.

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  • Antonia Isadora de Araújo Rodrigues7 de fevereiro de 2019 20:29

    Olá!!!
    Que crônica em??
    Você conseguiu fazer com que meus olhos aqui enchessem de lágrimas, pois realmente dar uma coisa na gente quando lemos algo que é tão real. Eu tenho amigos que passaram por isso e tive que tentar ajudar para tentar fazer com que se recuperassem e é muito difícil. Ter um texto que transmite tudo isso é muito importante de verdade.
    Adorei a crônica mesmo ^^

    lereliterario.blogspot.com

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    1. Francine S. C. Camargo28 de fevereiro de 2019 10:50

      Antonia, gosto da ideia de "despertar uma coisa" nas pessoas, significa que estamos em sintonia, pois temas como esse mexem demais comigo e é justo a gente se dividir dessa forma, não? Grande beijo e obrigada!

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