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[CRÔNICA] DIA DO PAI

Por Francine S. C. Camargo •
domingo, 4 de novembro de 2018


O quarto estava fechado havia dias e quando abri a porta, sobreveio aquele odor adocicado de lembranças. Muitas delas.

No travesseiro, a ausência do seu repouso em noites infindas em que saí, sem destino, madrugada adentro. No guarda-roupas, cuidadosamente engomado, encontrava-se o terno que socorreu algumas secretas lágrimas em minha colação de grau. Próximo a ele, o sapato bem cuidado, que dançou descomedidamente na noite de meu casamento.

Gravatas, lenços, meias, objetos quase nunca usados, que recebeu em datas como hoje, estão todos lá. Comemorávamos com abraços e fartos rituais alimentares, sem a pressa do dia seguinte.

O telefone está desligado. O jornal na mesa data da semana anterior e há um livro inacabado sobre a cabeceira, suplicando para ganhar vida novamente. Dentro dele, uma lista de compras: ambição perdida. Tudo em seu devido lugar e, ao mesmo tempo, nada se encontra nessa paisagem desabitada. Nada ouço, nem a velha música a me incomodar os ouvidos, sons que nunca aprendi a escutar.

Lá fora, o céu está livre e a cortina semi-aberta disfarça um segredo que eu também não conheci e não sei se ainda existe, assim como tantas outras confidências se foram com ele, e eu jamais saberei.

Corri, moleque, ao redor dessa cama a procurar por ele. Hoje, homem, a paz dessa bagunça me foi furtada, sem despedida. O que restou foi meu gemido calado, abafado por um silêncio em alto volume.

Hoje, a cerimônia tem pressa, sem informalidades, nem abraços e abundâncias. Sem intimidade, sem conversas, sem muito mesmo o que dizer. Hoje o ritual é de saudade, e me fecho novamente nesse quarto, procurando eleger uma palavra de adeus.

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