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TODOS TEMOS AQUELES AMIGOS

Por Francine S. C. Camargo •
segunda-feira, 16 de julho de 2018

“A amizade é uma alma com dois corpos”
Aristóteles

 Amigo faz moradia dentro da gente, cava e cava buraco até se infiltrar de vez e depois perde a chave, faz pompa na vizinhança e se serve de todas as nossas reservas de carinho e, curiosamente, para ele, esses estoques parecem nunca se acabar.

 Amigo sabe tocar na gente, literalmente falando: pega na mão, dá abraço de quebrar as costelas, puxa pelo ombro, acotovela-se todo para sair na foto e dá aquele tapinha de leve no braço, raras vezes deixa hematomas, te chamando de tolo por alguma bobagem dita.

 De amigo exige-se atenção, ninguém quer migalha, farelinho, último gole. Tem que dedicar tempo longo, pois esse transita ligeiro, tem que ver álbum de foto antigo, tem que saber ouvir e trazê-lo de volta ao assunto principal quando ele se perde em digressões, ramificando o pensamento, tem que ouvir o cd favorito e os agudos mais eloquentes.

 Com amigo a gente divide feitos e emoções que não teriam significado algum se realizados sozinho. Como cantar abraçadinho a música do ídolo, gritar feito tresloucado em show, assistir a 532 episódios da série preferida no mesmo dia, testar com ele a receita maravilhosa que acabou de descobrir e...não deu certo (e ainda assim ele vai provar e dizer que gostou ou vai cuspir tudo, porque amizade é amizade, mas estômago tem limite!).

 Amigo dá muito sintoma no corpo: dor de barriga de tanto rir, choro compulsivo ou lágrima modesta (por qualquer motivo), sono arrasador durante o dia por passar a madrugada conversando, dor na cabeça de tanto pensar numa solução para o incômodo do outro. E quando manda aquela clássica mensagem “preciso falar com você urgente”? Dá tremedeira, taquicardia, a gente se pergunta imediatamente “o que foi que eu fiz?” ou “será que terei que ajudar a ocultar um cadáver?”. Porque em amizade tudo vira emergência, amigo perde a noção do amanhã, semana que vem, tudo é para ontem.

 Por amigo, faz-se sacrifícios sem reclamar muito: andar com ele no carro, com carteira de motorista recém conquistada, viajar léguas para encontrá-lo, rir de suas piadas e até gostar de seus amigos, embora o ciúme corroa a gente por dentro.

 De amigo, a gente tem saudade o tempo inteiro, mesmo quando a despedida ocorreu ainda agorinha, porque nunca é suficiente e porque sempre há algo que ficou por falar, um sorriso que não conseguiu rasgar o rosto inteiramente, uma bronca mal dada, um conselho que ele não requisitou, mas está na ponta da língua.

 Amigo diagnostica dor escondida, só por um oi atravessado ou um olhar oblíquo e não sossega enquanto não compreender a origem. Entretanto, apesar do silêncio machucá-lo, ele o acata até segunda ordem, espera sua vez, melhor hora, velando a mágoa à distância, se preciso for. Porque em amizade não há separação, só o espaço que se deixa arbitrariamente, mesmo a contragosto, quando raios surgem no céu em demasia.

 Amigo faz a gente feliz estando feliz e não é preciso postar na rede social, pois ele sempre saberá disso. E é fatal pensar nele nos instantes de glória. Porque amigo é isso, alma separada do corpo, amor edificado, imprescindível, necessidade mais necessária possível, se o pleonasmo couber. E segue com a gente, pra qualquer lugar, atento e guiando, feito estrela na escuridão.

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