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A vida depois do diagnóstico

Por Leandro Salgentelli •
domingo, 4 de fevereiro de 2018


Tem dias que acordamos mais propensos a ficar na cama, não é mesmo? Tive essa recaída, semanas atrás. Intuo que seja por conta de um exame que teria que buscar no hospital – um exame que poderia dar um diagnóstico positivo ou negativo. É que há alguns meses tirei um tumor.

Durante o trajeto que fiz até chegar ao hospital pensei em diversas coisas: pensei em pegar a estrada e ir embora, como se o fato de ir deixaria essa minha existência tão vulnerável. Pensei em ir para o Rio de Janeiro – a rodoviária ficava logo ali. Tudo que precisava pra sobreviver estava na minha bolsa: minha carteira, minha identidade e um pouco de dinheiro.

Pensei em fugir dessa vida que levo. Mas fugir não era a palavra que procurava. Eu queria mesmo era liberdade. Eu almejava liberdade. Sem despertador no dia seguinte, sem compromissos no dia seguinte, e como minha autocritica fala mais alto, ponderei esse meu existencialismo, essa minha falta de consonância com a realidade: o que minha consciência iria dizer ao tomar uma atitude tão tempestiva – era assim que me sentia, numa tempestade interna, cuja chuva não cessava.

Seria um ato de coragem deixar tudo e ir em busca dessa liberdade tão propagada, seria um ato de fraqueza por não conseguir lidar com os problemas que me afligiam, seria um ato de rebeldia ou seria um ato de “em busca de si mesmo”?

Por fim, fiquei em mim, fui ao hospital, peguei o exame e abri ali naquele céu aberto onde passavam-se milhares de carros, onde ninguém se preocupava com ninguém, onde todos estavam centrados em seus compromissos, enquanto eu chorava. Chorava de uma dor que não era física. Um medo que me atingia em saber o que estaria escrito dentro daquele envelope.

Abri aquele exame e o diagnóstico dizia: a lesão atinge focalmente a margem cirúrgica. Não há sinais de malignidade. Então eu fui caminhando, passei por ruas que nunca entrei, vi pessoas que nunca imaginei que viria e pensei: e se houve sinais de malignidade? O que faria dali por diante?

Eu sabia que as chances de ser maligno eram poucas, o médico teria dito algo na cirurgia – que era, por sinal, bem simples. Mas fico pensando se o diagnóstico me dissesse o oposto, se me dissesse o que não gostaria de saber. Eu voltaria pra casa, seguiria a fazer as mesmas coisas que faço todos os dias ou ruminaria com a notícia despojada naquele papel tão pequeno?

No final das contas, minha dor não era em saber o resultado que estava naquele papel, mas por pensar se de fato levamos a vida que queremos. Se estamos satisfeitos em viver nessa mundo workaholic e altamente individualista. A vida é curta demais pra viver nessa monotonia. O meu lamento é precisar de um diagnóstico para mostrar que a vida é mais que isso, e que portanto, é preciso, sim, ir em busca de si mesmo.



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1 comentários:

  1. Mariângela girardi Vergara6 de fevereiro de 2018 11:44

    Realmente a vida é mais, mas as vezes precisamos de uma sacudida do destino!

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