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REPRESENTATIVIDADE DA ESTUPIDEZ

Por Salvattore Mairton •
domingo, 8 de janeiro de 2017


 Era a semana que antecedia o ano novo. Como frequentemente nesta época viajo para casa de familiares, já que moro distante de todos, não poderia deixar de comentar o que ocorreu no dia 25 de dezembro. Por volta da meia-noite estávamos todos (eu, minhas primas, tias e tios) na calçada da casa de minha madrinha. Ela mora numa rua que a menos de 5 metros dá acesso a uma avenida movimentada, e ali da calçada é possível olhar boa parte da avenida que liga a outros bairros. Nisso, uma mulher passou pela avenida com seu filho de aproximadamente 10 anos, amedrontada (era nítido em seu rosto o desespero), atrás dela vinha um homem, que aparentemente parecia estar drogado. Foi coisa de segundos, ele a alcançou e começou a agredi-la, puxando seu cabelo, dando socos em suas costas, chutes e a agredindo com xingamentos. Num dado momento o garoto disse: “Para, pai, não machuca minha mãe”. Bastou o menino dizer isso e o agrediu também com socos e pontapés. 
 Eu estava desesperado, não sabia se dizia algo, não sabia o que fazer, e se ele estivesse armado? Sabíamos que não fazer nada poderia acontecer uma fatalidade. Enquanto o truculento (não me vem uma palavra mais adequada para chamá-lo) agredia aquela mulher e seu filho, tentávamos ligar pra polícia, mas ninguém atendia, não aparecia viatura por ali, pedi então para o namorado de uma prima os levassem para um lugar seguro, longe daquele brutamonte. 

 Enquanto saíam com o carro, eu e uma vizinha seguíamos a pé, mas mesmo a distância era possível ver ela se encolhendo para receber o soco que vinha por trás. Enquanto apanhava no trajeto todo, não a ouvir dizer nada. Seu silêncio me doía inteiro. Era como se estivesse pedindo socorro, sem poder se mexer, sem poder olhar para os lados, sem poder dizer algo. Seu silêncio gritava tanto de modo que senti seu grito durante a noite ao tentar dormir. E no dia seguinte ao passar pelo mesmo lugar. 

 O namorado da minha prima os alcançou um pouco mais de 1 km, segundo ele, o garoto estava desesperado, pediu para que levassem dali antes que o pai fizesse algo pior. Era apenas uma criança, e sabia o quão sem limites era seu pai. 

 Era Natal. Para alguns essa data não representa nada, mesmo sendo um dia como qualquer outro, aquela criança não merecia estar ali, tampouco sua mãe. E não importava o grau de sua índole, o que tivesse feito (se tivesse feito!), ninguém merece ser nocauteado daquela maneira. 

 O que me entristece é que isso é mais comum do que se parece. Amanhã poderão estar de mãos dadas novamente. Até que a agressão aconteça pela segunda, terceira e quarta vez. Enquanto há uma criança no centro com uma cara de interrogação digerindo tudo. Até o dia em que o ciclo se repetir.

Comentários via Facebook

28 comentários:

  1. Que situação mais triste em pleno Natal, já vi isso acontecer, já passei por isso, pq já fui vítima de violência doméstica, e lendo seu post vivenciei tudo novamente, vc escreve super bem, estou seguindo seu blog, curti tbm sua pagina!
    Infelizmente essas historias se repetem pq o próprio agressor vivenciou isso durante a infância geralmente, é um círculo que é dificil parar, primeiro a pessoa tem que estar ciente que é errado, que quer parar, para dai tomar uma atitude fazendo terapia por exemplo.
    Bom início de 2017 pra vc!!

    http://dailyofbooks.blogspot.com.br/

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    1. Leandro Salgentelli11 de janeiro de 2017 15:22

      Fernanda, depois do seu relato, vou dizer o quê? Peço desculpas se o texto te remeteu a uma fase não agradável. E espero, sinceramente, que esteja bem após esse trauma, porque é para quem está assistindo, nem consigo imaginar como é para quem vivenciou. Desejo que este ano seja tão lindo pra você, que os ventos te abracem e que você se sinta acolhida pelas palavras, pelos livros, pela vida. Você merece. Bom ano pra você e obrigado por curtir a página e o blog. Farei o mesmo. Adorei você. Beijos. <3

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  • Parabéns ao autor. Que texto!
    Realmente, é algo mais comum do que parece. E pior ainda é escultar gente que acha isso normal. Felizmente nunca passei por isso e nem presencie, mas ainda assim senti a dor pelas pessoas que passaram.
    Beijoos!

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    1. Leandro Salgentelli11 de janeiro de 2017 15:24

      Catrine, obrigado pelo carinho, viu? Pois é, ainda vivemos numa sociedade bem machista. Eu também senti, o que nos resta é lutar contra essa coisa chamada ignorância e estupidez. Um beijo enorme pra você. <3

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  • Olá!
    Caramba cara, que texto forte D: Confesso que fiquei chocado em certo momentos.
    Particularmente nunca presenciei uma situação parecida em casa ou fora dela, mas já ouvi relatos de conhecidos. E é algo tenebroso, sem sombra de dúvidas. A sociedade evolui tanto em quesito tecnologico, mas mentalidade continua sendo machista e preconceituosa.

    Abraços
    David
    http://territoriogeeknerd.blogspot.com.br/

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    1. Leandro Salgentelli15 de janeiro de 2017 18:48

      David, li e reli o que escreveu, e você está coberto de razão: a sociedade evolui tanto em quesito tecnológico, mas mentalidade continua sendo machista e preconceituosa. Obrigado pelo comentário e volte sempre. Ah, estou seguindo seu blog. Abraço.

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  • Olá,
    Que situação hein!
    Vemos sempre na TV notícias como esta e sempre pensamos que é algo distante. Ledo engano e aí descobrimos que está mais perto do que imaginamos.
    Achei de extrema importância o tema aqui abordado e a forma como o ciclo pode vir a se repetir através da criança que tenta entender uma situação complexa.

    http://leitoradescontrolada.blogspot.com.br/

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    1. Leandro Salgentelli15 de janeiro de 2017 18:51

      Michele, obrigado pelo comentário. Realmente é uma situação tão corriqueira, temos que lutar por essas mulheres que tem medo do próprio marido, lutar para que elas consigam se livrar disso, antes que o pior aconteça. E cobrar mais da justiça, que é mais falha ainda. Um abraço, viu? <3

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  • Olá
    É muito triste, mas é uma verdade, e potencializada pela bebida ou drogas, mas tem sim como sair do ciclo, conheço vários casos, basta ter força de vontade, tenho um amigo cujo pai matou a mãe e se matou, e meu amigo é muma das pessoas mais doces e generosas que conheço, então para mim tentar justificar sua violência dizendo que seu pai era violento é só uma descula bem furada

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    1. Leandro Salgentelli15 de janeiro de 2017 18:56

      Daniele, realmente não justifica o ato, mas contribui. Somos mais parecidos com os nossos pais do se imagina (a psicologia nos diz isso), claro que há exceções, mas ainda é muito pouca. Existe toda uma cultura enraizada. Observe as relações em festas o que os homens discutem e o que as mulheres indagam. Eles falam de futebol, elas ainda falam de um novo lançamento de sabão em pó. A nossa cultura é machista, e de certa forma contribuímos com os nossos discursos omissos. Um beijo bem carinho e obrigado pelo comentário.

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  • Kamila Villarreal15 de janeiro de 2017 13:35

    Olá!

    Gente, que horror! Por mais que, pra mim, o Natal não signifique nada, essa criança não deveria ter passado por isso! È triste, mas espero que a mulher consiga se livrar desse crápula, mesmo sabendo que é muito difícil de acontecer...

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    1. Leandro Salgentelli15 de janeiro de 2017 18:58

      Kamila, somos dois. Natal pra mim e nada é a mesma coisa. Mas, finais de anos sempre nos deixa aberto para reflexões, e a que mais me tomou foi: que tipo de gente estamos nos tornando? Abraço.

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  • Michelle Pereira15 de janeiro de 2017 15:15

    Que situação horrível. Nunca presenciei algo assim, mas o sofrimento... acho que não sei lidar com isso. Não sei o que fazer...

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    1. Leandro Salgentelli15 de janeiro de 2017 19:00

      Michelle, é pavoroso, você não sabe o que fazer, não se deve dizer algo, você fica de mãos atadas. De certa forma ainda se prevalecesse aquele discurso "de em briga de marido e mulher não se deve meter a colher". Torço para que não presencie essa situação nunca. Um beijo.

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  • Olá, infelizmente o final do seu relato procede. Isso acontece em vários lugares, todos os dias, o tempo todo e muitas vezes acaba em tragédia. Mudar mentalidade leva tempo, o pior é que estamos atrasados em começar...

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    1. Leandro Salgentelli16 de janeiro de 2017 19:53

      Uauuu, adorei seu comentário. É exatamente isso. Nem parece que estamos no século XXI, o século da tecnologia, o século do liberalismo. A impressão que se tem é que ainda vivemos na primitividade,a grande descoberta é que é céu aberto. Obrigado pelo comentário. Abraço.

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  • Olá, Leandro.

    A realidade de muitas "famílias" é essa, uma mulher que apanha caladas, filhos que não entendem, mas tentam proteger suas mães e homens que ainda se sentem proprietários de das mulheres. O silêncio tem tantos motivos que é difícil de entender, aceitar, se calar.
    A polícia nem sempre é distante e ineficaz, mas quase nunca pode efetivamente fazer alguma coisa. Sobra para nós, os cidadãos comuns, tomar as atitudes, que são quase sempre paliativos.

    #Bel Góes#

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    1. Leandro Salgentelli16 de janeiro de 2017 19:57

      Cada vez mais vocês me surpreendem mais, quanta clareza... Obrigado pelo comentário, viu? Nada me deixa tão feliz ao ler algo como descreveu. É isso aí. Cruzemos o dedo para que essa realidade mude, a partir desse instante. Um beijo bem carinhoso e obrigado pelas palavras.

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  • Nossa, imagino o quanto isso deve ter te abalado, em pleno natal, uma epoca tão importante e magica, que deveria se celebrar a familia e a união. É triste e me doi muito ver que isso se repete muito por ai e não podermos fazer nada, eu entendo seu desespero em querer ajudar e nem a policia vir socorrer. Ja passei por situações assim e isso é algo que me doi mtt relembrar, chego a lacrimejar lendo seu relato! Meu desejo é que essa mulher e filhos estejam bem, que esse tipo de situação seja casa vez menos frequente!

    www.memoriasdeumaleitora.com.br

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    1. Leandro Salgentelli16 de janeiro de 2017 20:04

      Suzane, obrigado pelo comentário e pela preocupação. Você sabe como é ver algo assim. É horroroso, e o mais engraçado é que isso pode estar acontecendo, agora, na porta ao lado, na esquina perto da sua casa ou da minha. O machismo ganhou tanta proporção que as mulheres, não todas, ainda bem, mas algumas delas aderiram a crueldade como forma de penitência. A religião tem muito a ver com isso quando indagam sobre o "feliz pra sempre" - de uma forma mais convencional. A mídia tem a ver com isso, quando expõe para que todos vejam, mas que pouco ajuda essas mulheres e crianças. Suzane, onde é a porta de saída? Eu quero descer. :(

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  • Infelizmente é uma realidade, mas tenho esperança que um dia isso acabe. Eu tinha uma vizinha que tinha a família "perfeita" (para alguns), marido, um filho e estava grávida. Mas era só o marido beber batia nela. Isto estava me incomodando tanto que cheguei em cogitar a ligar para polícia, mas antes que eu fizesse, chegaram uns vizinhos e a ajudaram.Só sei que eles foram embora, e espero que separados para a segurança dela e dos filhos. Ótimo texto.

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    1. Leandro Salgentelli20 de janeiro de 2017 11:07

      Oi, Ana, também tenho esperança que isso acabe. Espero que acabe, pois é muito triste para a mulher, mais ainda para uma criança que não tem culpa de nada. Muito triste seu relato, o relato da sua vizinha passa-se a ser nosso também. Um beijo. <3

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